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Césio 137: 30 anos do maior acidente radioativo do Brasil
Goiânia, 13 de setembro de 1987. Em um prédio abandonado do Instituto Goiano de Radioterapia, dois catadores de sucatas encontram um equipamento radioterapêutico. A peça foi aberta e vendida em um ferro velho da cidade. Começava ali a história do maior acidente radioativo ocorrido no Brasil. Uma tragédia sobre a qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já teve que se pronunciar.
O material radioativo (césio 137) que ficava dentro do equipamento circulou por vários locais da cidade. Quatro pessoas morreram, centenas foram contaminadas gravemente e milhares afetadas de forma indireta.
Em busca da reparação pelos danos sofridos, muitas vítimas recorreram à Justiça, e muitas dessas ações chegaram ao STJ. Embora na grande maioria delas o tribunal tenha concluído pela impossibilidade de serem reexaminados fatos e provas (Súmula 7), é possível encontrar acórdãos nos quais coube ao STJ o deslinde de controvérsias originárias daquele dia 13 de setembro.
Prescrição
A questão do prazo prescricional é um exemplo. Qual seria a data limite para que as vítimas do césio 137 pudessem ajuizar uma ação indenizatória?
No STJ, é entendimento pacífico que qualquer ação contra a União, estados e municípios deve ser ajuizada no prazo máximo de cinco anos. Nos julgamentos envolvendo o acidente de Goiânia, o entendimento da corte é de que a contagem desse prazo se inicia com o conhecimento da lesão e, existindo processo administrativo, da sua conclusão.
No julgamento do AREsp 560.454, o Estado de Goiás alegava a prescrição quinquenal em processo no qual um bombeiro, que prestou serviços no isolamento dos locais contaminados e que desenvolveu doenças crônicas decorrentes do contato com o césio, buscava o direito de integrar a lista dos servidores afetados pela radiação para poder receber pensão.
O estado alegou que o pedido de pensão especial havia sido negado administrativamente em novembro de 2002 e, como a ação foi proposta apenas em 2012, a pretensão já estaria prescrita. A Primeira Turma, no entanto, restrita às provas analisadas pelo tribunal de origem, negou o pedido.
Segundo o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o bombeiro requereu administrativamente o recebimento da pensão vitalícia em outubro de 2011, quando teve conhecimento de que era portador da enfermidade. Além disso, o acórdão consignou que o pedido administrativo ainda não tinha sido analisado pela administração pública.
No STJ, a Primeira Turma concluiu pela impossibilidade de chegar a conclusão diferente do tribunal goiano. Segundo o acórdão, “a tentativa do estado recorrente em revisar a premissa firmada pela corte local, quanto à inexistência de finalização do pedido administrativo e à data do seu requerimento, é inviável em sede de recurso especial, por incidência da Súmula 7/STJ”.
Responsabilidade solidária
“Em matéria de atividade nuclear e radioativa, a fiscalização sanitário-ambiental é concorrente entre a União e os estados, acarretando responsabilização solidária, na hipótese de falha de seu exercício.”
Esse foi o entendimento da Segunda Turma do STJ no julgamento REsp 1.180.888, no qual a União alegava ilegitimidade para figurar no polo passivo de ação movida pelos dois catadores de sucatas que tiveram o primeiro contato com césio 137.
Além de sustentar que não foi comprovada culpa ou dolo por parte dos agentes estatais, a União alegou que o aparelho contendo o césio, quando encontrado no antigo Instituto Goiano de Radioterapia, era de propriedade do Instituto de Previdência do Estado de Goiás.
O relator, ministro Herman Benjamin, rechaçou a argumentação. Ele destacou que o artigo 8º do Decreto 81.384/78, que regulamenta a Lei 6.229/75, atribui ao Ministério da Saúde competência para desenvolver programas de vigilância sanitária dos locais, instalações, equipamentos e agentes que utilizem aparelhos de radiodiagnóstico e radioterapia.
“Cabe à União desenvolver programas de inspeção sanitária dos equipamentos de radioterapia, o que teria possibilitado a retirada, de maneira segura, da cápsula de césio 137, que ocasionou a tragédia ocorrida em Goiânia em 1987”, disse o ministro.
O relator destacou ainda a constatação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) de que, não fosse a ausência de comunicação do Departamento de Instalações e Materiais Nucleares (que integra a estrutura da Comissão Nacional de Energia Nucelar – CNEN, órgão federal) à Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, sobre o correto destino do equipamento após o desligamento do instituto de radiologia, “o grave acidente que vitimou tantas pessoas inocentes e pobres não teria ocorrido”.
Imóvel desapropriado
Depois do acidente, foi necessário isolar uma área de dois mil metros quadrados, compreendendo 25 casas, cujos moradores tiveram de ser desalojados para remoção do material radioativo. A residência de um dos catadores de sucata, para onde foi levado o cilindro do aparelho de radioterapia, precisou ser demolida, e o local concretado para isolar o lixo radioativo por um período de 150 anos.
Em primeiro grau, a indenização foi fixada em um terço do valor da causa, pelos danos materiais, acrescidos de 25% pelos danos morais, atualizados e acrescidos de juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença.
Acórdão do TRF1, entretanto, ao considerar o direito à indenização por desapropriação indireta, adotou o valor do terreno e respectivas construções, acrescidos de juros compensatórios de 12% ao ano, desde a data do desapossamento e juros moratórios de 6% ao ano, contados na forma prevista no artigo 15-B do Decreto-lei 3.365/41.
No STJ, o relator, ministro Sérgio Kukina, decidiu, de ofício, restaurar o valor indenizatório fixado em sentença, e adequar o termo inicial dos juros moratórios à Súmula 54 do STJ, que estabelece sua fluência a partir do evento danoso.
Decisão efetiva
O ministro explicou que a solução encontrada pelo TRF1 ainda dependeria de “dispendiosa e demorada perícia de engenharia, em processo que já tramita desde 1997”. Ele destacou também que a decisão impôs a limitação de que o valor apurado na fase liquidatória, acrescido dos juros compensatórios e moratórios, não poderia exceder o valor arbitrado na sentença.
“Para se evitar a imposição de novas e desnecessárias despesas para o estado recorrente, que haveria de também suportar honorários periciais de engenharia, faz-se de rigor a restauração da fórmula indenizatória estabelecida na sentença, mais favorável para ambas as partes e para a própria efetividade da prestação jurisdicional”, concluiu o ministro Kukina (REsp 930.589).
Nexo causal
Em 2002, o Estado de Goiás editou a Lei 14.226, que dispõe sobre a concessão de pensões especiais às pessoas irradiadas ou contaminadas que trabalharam na descontaminação da área acidentada com o césio 137.
No STJ, um policial militar que prestou serviços de vigilância no depósito de rejeitos radioativos, no período de 29 de março de 1993 a 28 de fevereiro de 1998, teve o pedido de pagamento da pensão especial negado em razão da não comprovação do nexo de causalidade entre sua doença crônica e a exposição ao elemento radioativo.
Para o militar, a comprovação do nexo causal entre a moléstia contraída e a exposição ao lixo radioativo seria desnecessária porque o critério definido pela Lei 14.226 seria, apenas, o fato de ser portador de doença grave ou crônica, reconhecida pela Superintendência Leide das Neves Ferreira (Suleide), órgão criado pelo governo de Goiás especialmente para atender os radioacidentados de Goiânia.
O relator no STJ, ministro Castro Meira, destacou que a citada lei traz em anexo o rol dos militares e servidores públicos que foram requisitados para prestar serviços no depósito provisório de rejeitos radioativos, na época do acidente, e, por terem sido expostos à radiação sem os equipamentos de proteção apropriados, considerou-se presumida a contaminação/irradiação pelo césio 137.
Em relação aos que não se encontravam na lista, o ministro reconheceu que a Lei 14.226 contemplou a possibilidade de que a pensão especial fosse concedida aos que trabalharam no referido depósito, a partir da constatação de doença grave ou crônica, corroborada pela Suleide, mas destacou ser imprescindível a comprovação da natureza da doença.
“Não há como prescindir da comprovação do nexo de causalidade entre a doença e a exposição ao elemento radioativo para reconhecer-se o direito ao pagamento da pensão requerida, por força do que dispõe o parágrafo 1º do artigo 2º do normativo em comento, segundo o qual o benefício é devido aos irradiados ou contaminados no trabalho da descontaminação da área acidentada com a substância radioativa césio 137", concluiu o relator (RMS 32.335).
Pesquisa Pronta
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AREsp 560454REsp 1180888REsp 930589RMS 32335
Fonte: STJ