«« Voltar
Justiça mantém sentença de réu condenado por provocar aborto
Por unanimidade, os magistrados da 2ª Câmara Criminal negaram provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público contra a sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para um jovem, a fim de aplicar a medida socioeducativa pelo cometimento do ato infracional análogo ao crime de provocar aborto sem o consentimento da gestante (previsto no artigo 125 do Código Penal).
No recurso, o Parquet pediu a reforma parcial da sentença a fim de aplicar a sanção pela prática do ato infracional análogo ao crime previsto no artigo 148, do Código Penal, alegando que a prática dos delitos decorreu de desígnios autônomos, uma vez que o cárcere privado da vítima não se caracterizou como um meio para o delito de aborto provocado por terceiros, requerendo, portanto, o afastamento do princípio da consunção.
De acordo com o processo, acompanhado de mais duas pessoas, o adolescente privou a vítima de liberdade, depois de colocá-la em cárcere privado. Após, os três ameaçaram a vítima, causando sofrimento mental, o que resultou no aborto da gestante sem o consentimento dela.
Na sentença, apontou o MP, o juiz singular ressaltou que tudo indicava que a intenção do jovem era de causar o aborto na vítima, impedindo o reconhecimento do ato infracional análogo ao crime de cárcere privado, pois este foi o meio para o resultado pretendido.
Para o relator da apelação, juiz Waldir Marques, ficou claro que a intenção do acusado em manter a vítima no interior de uma residência não configurou o delito previsto no artigo 148 do Código Penal, não ficando demonstrado o elemento subjetivo em manter a vítima em cárcere privado.
De acordo com o processo, o magistrado analisou três fatos imputados ao adolescente. No primeiro, sobre cárcere privado, pois segundo os autos, no dia 5 de abril de 2019, após o horário do almoço, na Rua Benedito da Silva, em Eldorado, o adolescente e as duas pessoas que o acompanhavam colocaram a vítima em cárcere privado, privando-a de sua liberdade.
No segundo, sobre tortura majorada, de acordo com o processo, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, com vontade livre e consciente e junto com outras duas pessoas, o adolescente constrangeu a vítima, gestante, com emprego de grave ameaça, causando-lhe sofrimento mental, para provocar ação de natureza criminosa (aborto).
No terceiro, sobre aborto sem consentimento da vítima, narram os autos que, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, junto com outras duas pessoas, o adolescente provocou o aborto, sem o consentimento da vítima gestante.
O magistrado destacou que é inegável o nexo de dependência entre as condutas relacionadas ao aborto sem consentimento da gestante e o cárcere privado, eis que, de acordo com a prova colhida nos autos, foi necessária a segunda conduta para que se atingisse o resultado almejado na primeira.
“É inconteste, de acordo com relato da vítima, que a coação para a ingestão dos medicamentos abortivos se deu também em razão de sua manutenção em cárcere. Também se verifica que a gravidade do crime meio é bem menor do que a do crime fim, permitindo o reconhecimento do princípio da consunção”, disse o juiz.
No entender do relator, tudo indica que a intenção do jovem foi a realização do aborto na vítima, o que impede o reconhecimento do ato infracional análogo ao crime de cárcere privado como medida autônoma. “Tal conclusão se extrai do fato de o cárcere privado ter se dado por pouco tempo, exclusivamente enquanto havia a execução do aborto. Portanto, o reconhecimento do princípio da consunção é medida que se impõe”, completou.
Para o magistrado, o dolo no crime de sequestro ou de cárcere privado, embora genérico, é requisito indispensável para a consumação da infração, e consiste na vontade livre e consciente do autor em privar alguém da sua liberdade de locomoção. O relator defende que, dada as especificidades da ação delitiva em voga, não comporta o concurso material entre cárcere privado e aborto causado por terceiros, uma vez que a restrição da liberdade da vítima ocorreu durante a ação da conduta do delito previsto no art. 125, do Código Penal.
“Assim, deve ser mantida a decisão de primeiro grau, eis que a restrição da liberdade da vítima foi crime meio, ou seja, ante factum impunível, para a prática do delito de aborto provocado por terceiros. Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso”, concluiu.
O processo tramitou em segredo de justiça.
Fonte: TJ-MS