Empregada será reintegrada e terá 25% de redução de jornada.
A Oitava Turma do TRT mineiro, em acórdão de relatoria da desembargadora Ana Maria Amorim Rebouças, acolheu o pedido de mãe de criança autista para reverter a dispensa por justa causa que lhe havia sido aplicada e determinou a sua reintegração no emprego. Ainda foi acolhido o pedido para determinar que a empregadora – uma empresa de administração de serviços – reduza a jornada de trabalho da reclamante em 25%. O entendimento da relatora foi seguido pela unanimidade dos julgadores, que negaram provimento ao recurso da empresa para manter a sentença de primeiro grau, que já havia deferido os pedidos.
Justa causa - A dispensa por justa causa exige o enquadramento da conduta do empregado nas hipóteses do artigo 482 da CLT. No caso, a justa causa foi apontada como “desídia”, mas ficou entendido que a conduta da empregada não pode ser enquadrada como tal, tendo em vista as circunstâncias particulares envolvidas.
O contrato de trabalho da autora iniciou-se em fevereiro/2007 e, em junho/2014, nasceu seu filho, que foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista - TEA - CID F84. A dispensa por justa causa ocorreu em agosto/2018, vale dizer, quando ela contava com mais de 11 anos de serviços à empresa. Ao examinar o caso, a relatora observou que as ausências da reclamante ao trabalho, na maioria das vezes, justificadas, decorreram da situação vivida enquanto responsável legal e cuidadora de seu filho menor, portador de TEA.
A empresa apontou oito faltas da reclamante, no período de 2013 a julho/2018. Houve apresentação, no processo, de fotografia da tela de celular retratando a mensagem, em que a autora relatou à encarregada do setor a impossibilidade de comparecimento por não ter com quem deixar o filho. A mensagem foi reiterada em e-mail, no qual ela se dispôs a compensar as horas não trabalhadas. “Ou seja, a reclamante comprovou a ausência de culpa pelas suas faltas, sendo compelida a deixar de cumprir a obrigação laborativa para cuidar do filho. Neste contexto em que não foi comprovada a razão de enquadramento da empregada ao artigo 482 da CLT, não se sustenta a justa causa aplicada”, concluiu a desembargadora.
Na decisão, a relatora pontuou que a circunstância dos acontecimentos descritos no processo não pode ser desprezada, exigindo-se do empregador sopesar as razões da trabalhadora a fim de evitar a ruptura do contrato de trabalho.
Reintegração – Tendo em vista a ausência de prova dos motivos que ensejaram a justa causa e a abusividade da dispensa, os julgadores também decidiram pela reintegração da trabalhadora no emprego, conforme já havia sido determinando na sentença recorrida. Ficou determinado que a autora retomasse suas atividades e recebesse os salários e demais parcelas vencidas decorrentes do contrato de trabalho.
Redução da carga horária - A sentença recorrida deferiu o pedido da trabalhadora de redução da carga horária em 25%, sem prejuízo da remuneração mensal, pelo prazo de um ano, o que foi mantido pela 8ª Turma regional, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista
Na decisão, a relatora ressaltou que a reclamante é mãe de criança portadora de TEA, dependente de cuidados especiais, conforme provado pelos atestados médicos apresentados. “As ausências da reclamante ao trabalho, na maioria das vezes justificadas, decorrem da situação vivida pela trabalhadora enquanto responsável legal e cuidadora de seu filho menor, portador de TEA”, destacou. Acrescentou que documentos ainda demonstraram que a criança necessita de tratamento com fonoaudiólogos, psicoterapeutas e de terapia ocupacional. Também chamou atenção da desembargadora o fato de que o menor é portador de dificuldade de interação, o que, nas palavras da relatora, “presumidamente restringe as pessoas que podem ficar com a criança”.
Não passou despercebido pela relatora o fato de a autora ter buscado, junto à empresa, a designação de jornada flexível, com o fim de possibilitar a assiduidade no serviço, o que, entretanto, foi recusado pela empregadora. “Em casos como o presente, aplica-se a proteção constitucional assegurada à infância e aos portadores de deficiência física, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Nº 8.069/90, bem assim as disposições do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Nº 13.146/2015), devendo a ela e a seu filho serem dispensados tratamentos diferenciados que permitam o cuidado e assistência do menor deficiente”, registrou, completando que a reclamada, na qualidade de empregadora, deve se ater a essas disposições e permitir à empregada a continuidade do contrato de trabalho de forma compatível aos cuidados que a condição do filho lhe exige.
Segundo pontuou a desembargadora, a obrigação da empregadora de conferir à autora a possibilidade de adequação da vida profissional com a rotina de cuidados com o filho se impõe, não só em razão da sua qualidade de empresa pública estadual, mas também por respeito à função social da empresa, estabelecida pela Constituição Federal, em seu artigo 170.
“Logo, entre outros deveres, deve a empresa zelar pelo bem-estar de seus empregados. E, no caso da reclamante, cujas dificuldades e limitações já foram devidamente comprovadas nos autos, à empregadora incumbe proporcionar meios à preservação da relação empregatícia em conjunto com a assistência que a mãe presta ao filho”, frisou a julgadora.