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Dano por vazamento de dados não é presumido
Uma decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso especial da empresa Eletropaulo e, por unanimidade, reformou um acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia condenado a concessionária de energia elétrica a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil por ter vazado dados pessoais de uma cliente. A decisão, publicada pela corte em sua página oficial na última semana, aponta para o entendimento de que o dano moral em casos de vazamento de dados pessoais não é presumido. Ou seja, é necessário que a vítima comprove que o ato de fato lhe causou algum dano moral.
Embora o julgamento seja sobre um caso ocorrido em São Paulo, é um precedente importante e com relevância para todo cidadão e cidadã brasileira. Por isso, a Assessoria de Comunicação repercutiu a decisão e as consequências do julgamento junto a dois integrantes da Comissão para Aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), os defensores públicos João Victor Rozatti Longhi e Nicholas Moura e Silva.
De acordo com o STJ, apesar de ser uma falha indesejável da empresa no tratamento de informações pessoais de terceiros, o vazamento de dados não tem a capacidade, por si só, de gerar dano moral indenizável. No entendimento da Segunda Turma, para um eventual pedido de indenização, é necessário que a pessoa titular dos dados comprove o efetivo prejuízo gerado pela exposição dessas informações.
Segundo Longhi, a exposição ilegal dos dados já é um prejuízo causado ao cidadão ou cidadã. “Para quem lida com proteção de dados, essa decisão é ruim. O dano moral presumido permite à vítima do vazamento não precisar provar um efetivo prejuízo ao consumidor naquele caso concreto em razão daquele fato. O exemplo mais comum é a questão do atraso de voo. Basta provar que houve o atraso e isso já implica uma presunção de que houve um dano moral. Já a fixação do valor do dano depende de um monte de fatores”, explicou o defensor. Ou seja, os danos, neste caso, são presumidos, mas o que pode mudar é o valor a ser indenizado, a depender de um dano mais ou menos significativo ao cliente.
Segundo ele, o raciocínio é o mesmo em casos de vazamento de dados que devem se protegidos. “Quando alguém tinha os dados pessoais vazados, presumia-se que havia um prejuízo para o consumidor ou consumidora. Agora, com a decisão do STJ, o consumidor deve comprovar dentro da ação que no caso concreto houve um prejuízo, que usaram os dados para um golpe, por exemplo.
Essa jurisprudência do STJ vai numa linha bastante restritiva e dura contra a defesa do consumidor” | defensor público João Victor Rozatti Longhi
De acordo com o defensor Nicholas Silva, que também atua na Comissão da Defensoria, as consequências jurídicas em razão da circulação irregular de dados pessoais são temas relativamente novos no país. “Acredito que as decisões jurisprudenciais ainda devem mudar os rumos algumas vezes para firmar um posicionamento mais seguro. É uma fase natural dessa discussão. Mas vislumbro críticas à decisão. A essência da LGPD criou obrigações para haver maior proteção aos dados. Não só aos dados sensíveis, mas a qualquer tipo de dado em poder de um terceiro”, comentou.
Na avaliação dele, essa ideia de proteção tem especial força em situações como o caso discutido na decisão do STJ, em que uma prestadora de serviço possui em seu poder dados pessoais de seus consumidores e consumidoras.
“Há ali uma relação desequilibrada em que se tem de um lado uma pessoa física, com o interesse apenas de obter o serviço, e de outro uma empresa, com diversos interesses, mas visando à arrecadação financeira. Mesmo que não se trate de dados sensíveis, a pessoa não repassa seus dados para eles serem usados de qualquer maneira. É para receber o serviço” | defensor público Nicholas Moura e Silva
Segundo Silva, quando o vazamento ou uso indevido ocorre, este não pode ser encarado como uma situação normal ou um mero aborrecimento. “Houve uma efetiva falha da empresa que precisa ser corrigida. Vale relembrar o efeito da indenização por um dano, que vai além da mera reparação [pecuniária], mas alcança também um senso de responsabilização preventiva para que se tome providências e isso não volte a ocorrer. Em casos como esse há, por si só, um dever de reparação. A comprovação do dano poderia ensejar um valor maior dessa indenização. Mas, independente de qualquer comprovação, o dever de indenização já existiria”, concluiu.
Defensoria Pública - PR