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Empresa é condenada a indenizar trabalhadora que alegou ser vítima de discriminação religiosa no ambiente de trabalho
Uma trabalhadora que alegou ter sido discriminada no trabalho por sua opção religiosa ao Candomblé teve reconhecido, no juízo de origem, o direito à indenização por danos morais, fixada no valor de R$ 30 mil. A decisão – da qual cabe recurso à segunda instância – foi do juiz André Luiz Amorim Franco, titular da 17ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro (17ª VT/RJ) do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ).
No caso em questão, a trabalhadora foi contratada por uma companhia varejista em 3/11/20 e dispensada em 14/1/22, ocupando o cargo de supervisora de vendas. Buscou a Justiça do Trabalho, afirmando que foi assediada pelo seu gerente devido à sua adoção à religião do Candomblé. Argumentou que o seu superior a perseguia e a boicotava no ambiente de trabalho, inclusive instruindo-a a remover seus cordões espirituais, que são parte dos trajes utilizados por sua religião. Dessa forma, requereu o pagamento de indenização por dano moral por ter sofrido assédio religioso.
Em sua defesa, a empresa alegou ser uma organização inclusiva em todos os aspectos, possuindo em seu quadro de pessoal ampla diversidade de raças, gêneros, orientações sexuais e religiões. Argumentou que, se a trabalhadora não fosse respeitada, seria incoerente sua promoção a cargos de liderança e gestão ao longo do contrato de trabalho.
Ao proferir a sentença, o magistrado inicialmente fez uma análise histórica, constatando que o Brasil foi submetido a um processo de colonização que até hoje contrasta suas ramificações. Segundo ele, diversas formas de discriminação estruturada deixaram marcas profundas em nossa sociedade. Neste rol, o magistrado incluiu o preconceito (ou até mesmo desconhecimento) às religiões de matrizes africanas.
O juiz observou que, pela prova oral colhida (depoimento de uma testemunha), o chefe da autora da ação não lidou bem com as mudanças de vida que ela resolveu adotar, trocando sua religião para o Candomblé. “(…) certo é que a estrutura do preconceito veio à lume, com a indisfarçável intolerância religiosa, ferindo frontalmente a dignidade da trabalhadora, que passou a ser constrangida com o “novo” tratamento – além de constranger, via reflexa, todo o ambiente de trabalho”, concluiu o magistrado.
Segundo o juiz, a discriminação ocorria por meio de determinadas atitudes no ambiente laboral, tais como deboches e exclusão da profissional em reuniões semanais de gestão, que traziam constrangimentos à empregada. “A reclamada, por seu preposto, excedeu o seu poder diretivo, agindo com abuso de autoridade, preconceito e perseguição, praticando ato ilícito inconteste, lesando a honra da autora, cuja compensação deve ser imperativa, dentro do preceito constitucional”, assinalou o magistrado na sentença.
O titular da 17ª VT/RJ reforçou que é dever do Poder Judiciário garantir a observância dos tratados e convenções internacionais acerca dos direitos humanos – Recomendação nº 123/22, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – por um ambiente de trabalho livre, saudável e plural. Além disso, ressaltou que a Constituição Federal garante a liberdade religiosa e a escolha da fé, sem que isso dê margem a qualquer tipo de tratamento discriminatório.
Dessa forma, fixou a indenização por danos morais no valor de R$30 mil. A decisão, de acordo com o magistrado, “assume, também, o enquadramento referente ao julgamento sob a perspectiva de gênero, dentro dos ditames da meta 9 do CNJ e objeto 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), visando à busca da igualdade e empoderamento das mulheres, coibindo assédios e preconceitos, corrigindo lesões, para que o respeito e a dignidade das mesmas seja realçado, em qualquer lugar que frequente, garantindo-se e fomentando-se a efetiva igualdade e não discriminação.”
Nas decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, são admissíveis os recursos enumerados no art. 893 da CLT.
TRT-1