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Tornozeleira eletrônica: profissionais da DPE-PR avaliam o impacto do estigma social sofrido por pessoas monitoradas

Em relação aos altos índices de encarceramento no Brasil, a monitoração eletrônica é uma saída mais humanizada e que permite uma maior reintegração social da pessoa que cumpre pena. No entanto, embora o(a) apenado(a) ou egresso(a) que usa tornozeleira eletrônica cumpra uma medida alternativa ao encarceramento intramuros, ele(a) ainda enfrenta a restrição de sua liberdade de locomoção, assim como dificuldades para sua reinserção social e a seletividade penal e racial que também acompanha essa medida, entre outros estigmas. A tornozeleira é capaz de deixar a marca da pena imposta no corpo da pessoa, gerando mudanças, restrições e mesmo o abandono de hábitos comuns (como a utilização de algumas roupas e o ato de frequentar determinados ambientes) e, até mesmo, o desconforto físico gerado pelo equipamento. 

Essa medida alternativa à prisão surgiu com a aprovação da Lei nº 12.258 de 2010, e possibilita uma queda ou estabilização na taxa de encarceramento. No Paraná, o equipamento começou a ser utilizado apenas em 2015 e, segundo a Bases de Dados do SISDEPEN, no período de julho a dezembro de 2022, 12.342 pessoas utilizavam tornozeleira eletrônica no estado, o que correspondia a 13,5% do total de 91.362 pessoas monitoradas no Brasil à época. 

O assessor jurídico da área de Execução Penal na Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), Caio Bezerra, acredita que a medida deve ser usada com cautela, pois mesmo que seja menos gravosa do que a privação de liberdade em estabelecimento prisional, seus efeitos e estigmas causam uma dificuldade ainda maior na ressocialização do indivíduo, objetivo principal da pena. 

De acordo com Bezerra, a principal queixa de usuários(as) da Defensoria Pública monitorados(as) por tornozeleira é a dificuldade em encontrar uma oportunidade de emprego. “Sabe-se que a esmagadora parte da população carcerária brasileira vem de comunidades hipossuficientes, pouco escolarizadas e racialmente excluídas, fazendo com que a busca por empregos dignos já seja difícil, fato intensamente agravado em razão da monitoração”, explica Bezerra. A dificuldade de inserção no mercado de trabalho e o desespero diante da dificuldade em conseguir prover o próprio sustento e o da família, em alguns casos, obrigam tais pessoas a reincidir nas atividades ligadas ao tráfico, por exemplo. 

O defensor público da área de Execução Penal em Ponta Grossa Júlio Cesar Duailibe acredita que esse problema é resultado da soma dos preconceitos já existentes contra a população hipossuficiente. “Essas pessoas são alvos fáceis desse sistema e não conseguem achar saída para os desafios de suas vulnerabilidades, que são alimentadas por uma política penal irracional. Ofertas de empregos lhes são negadas e não há fonte de renda, mas o Estado e a sociedade continuam exigindo-lhes boa conduta, trabalho honesto e todas as obrigações financeiras de sua sobrevivência”, afirma. 

A segunda maior queixa é em relação à atuação policial, uma vez que pessoas monitoradas são paradas mais vezes pelos agentes de segurança pública, enfrentando abordagens violentas e até ilegais. De acordo com a pesquisa “Monitoração Eletrônica Criminal”, realizada pelo CNJ, DEPEN, Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2020, 47% dos entrevistados monitorados entrevistados pelo estudo foram abordados pela polícia. 

A dificuldade também está na exclusão social do círculo familiar, de amigos e nas comunidades religiosas, não somente em razão dos preconceitos, mas pela restrição de locomoção (em geral, essas pessoas devem permanecer em casa porque muitas pessoas monitoradas estão também em prisão domiciliar, e mesmo quando podem se locomover pela cidade, há restrições), provocando uma segregação social ainda maior. 

Duailibe também acrescenta que, não raramente, a Defensoria Pública atende pessoas que, suspeitas de violação do aparelho, relatam falhas no carregamento e duração da bateria e desconfortos em razão do apertamento da cinta. “Seja pela estigmatização ou pelos inconvenientes físicos no uso do aparelho, é possível que esses efeitos adversos atrapalhem o processo de reinserção social”, afirma.

De acordo com a Resolução n.º 412 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a aplicação da medida de monitoramento eletrônico deve estar acompanhada de procedimentos que viabilizem a realização de atividades no âmbito dos estudos, do trabalho, da religião e da atenção à saúde, por exemplo. O acompanhamento multidisciplinar feito por profissionais como psicólogos(as), assistentes sociais e pedagogos(as) é uma dessas ferramentas. 

“O uso indiscriminado de medidas como o monitoramento eletrônico indica a falência do modelo de ressocialização e reabilitação. Hoje vemos uma queda da oferta de postos de trabalho e estudos no cárcere, que deveriam ocorrer principalmente no regime semiaberto – o qual vem sendo substituído pelo uso de tornozeleira eletrônica. Essas pessoas enfrentam dificuldades de qualificação profissional, educacional e até de subsistência”, analisa Bezerra. 

No Paraná, existem os Escritórios Sociais – iniciativa integrante do projeto Cidadania nos Presídios do Conselho Nacional de Justiça –, onde é prestado o atendimento por diversos serviços na área da saúde, educação, qualificação e encaminhamento profissional, e atendimento psicossocial, entre outros, para os(as) monitorados(as) e egressos(as). Contudo, ainda que o serviço seja ofertado, muitos(as) têm receio de sair do perímetro permitido, e aqueles(as) que cumprem pena em semiliberdade, principalmente, têm medo de ter algum mandado de prisão vigente e, ao procurarem ajuda, serem novamente presos(as). O defensor público Julio Duailibe acredita que esta é uma boa iniciativa, mas ainda está em fase de amadurecimento e expansão, e que precisa de maior estruturação para cumprir com êxito o seu propósito. 

A fim de que os serviços para a população monitorada apresentem melhorias, os debates sobre as problemáticas sociais, as tecnologias que devem ser implementadas para aprimorar a ferramenta, e a proteção que deve ser ofertada aos(às) monitorados(as) seguem amadurecendo no sistema de justiça criminal. A ministra Rosa Weber, por exemplo, presidente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal), ressaltou na “Conferência Internacional sobre Monitoração Eletrônica: Tecnologia, Ética e Garantia de Direitos”, realizado no mês de junho deste ano, a necessidade de a Justiça Criminal evitar a retroalimentação de estigmas contra aqueles e aquelas que utilizam a monitoração eletrônica. Confira aqui a fala completa da ministra.

Para Bezerra, a medida deve ser utilizada tão somente quando a liberdade provisória não for possível, isto é, nos casos de prisão domiciliar; no monitoramento de pessoas que cometem violência doméstica; e no caso de inexistência de unidade destinada ao regime semiaberto nas proximidades do local de cumprimento de pena, com a ressalva de que a monitoração eletrônica deve ser acompanhada de cursos profissionalizantes e de educação formal, entre outras medidas que supram as vulnerabilidades enfrentadas por essas pessoas. 

Além disso, o assessor acredita que esses estigmas se dão não apenas pela deficiência de políticas estatais mais efetivas, mas também por conta da mentalidade de uma sociedade ‘ultrapunitivista’. “Somos uma sociedade que acredita que, quanto mais violenta for a punição, mais efetiva essa punição será. A sociedade pede por punições desumanas e a política institucional atende. A desestigmatização ocorrerá quando buscarmos o desencarceramento, a adequação dos estabelecimentos prisionais, conforme mandam a lei e os tratados internacionais e, principalmente, ajudando a pessoa egressa com ofertas de tratamento para sua dependência química, ajuda psicológica, qualificação profissional e educacional”, explica.

De acordo com Duailibe, a monitoração deve cumprir a proposta de ser realmente uma medida alternativa, ou seja, quando não for possível aplicar outras menos gravosas, já que de sua utilização ainda decorrem muitos problemas. “Se bem utilizada, observando-se as dificuldades dos réus e apenados, pode ser um bom instrumento para que a pessoa seja fiscalizada e monitorada, enquanto isso for necessário, sem a maléfica medida de exclusão e desconexão da sociedade, da família e das atividades laborais mediante irracional aprisionamento em celas”, conclui. 

Defensoria Pública - PR


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