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Brasil chega a 1 milhão de advogados
Neste mês de novembro, o Brasil chegou à incrível marca de 1 milhão de profissionais da advogacia, segundo dados do Cadastro Nacional de Advogados (CNA), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O número é expressivo, já que há cerca de 1 profissional da área para cada 200 brasileiros. O IBGE estima que o país tenha quase 207 milhões de habitantes em novembro de 2016. Isso significa que 0,5% da população brasileira é formada por advogados.
A principal razão para o país ter chegado a esse número de profissionais na área foi o aumento exponencial na quantidade de cursos de Direito a partir de 1995. Naquele ano havia apenas 165. Em 2001, já funcionavam 505 faculdades de Direito no Brasil. Em 2014, essa quantidade chegou a impressionantes 1.284. Um crescimento de quase 800% em menos de duas décadas. E o aumento na quantidade não se refletiu em qualidade.
Seleção
Essa precariedade dos cursos ofertados fica clara nos resultados dos Exames de Ordem, que acontecem três vezes por ano. De acordo com o estudo “Exame de Ordem em Números”, publicado em 2014 pela FGV Projetos, instituição que elabora e aplica as provas desde 2010, as inscrições entre o II e o XIII Exame de Ordem chegaram a 1,34 milhão. Desses examinandos, apenas 234 mil (17,5%) foram aprovados.
Ainda segundo o estudo, apesar do total das inscrições realizadas nessas 12 edições da prova ultrapassar a marca de 1,3 milhão, ao se analisar o número de pessoas que fizeram o exame pela primeira vez em cada uma dessas edições, chega-se à conclusão de que foram apenas 487 mil inscritos, o equivalente a 36,4% do total. “Isso significa, portanto, que 63,6% das inscrições se referem a indivíduos que já prestaram o Exame em uma ou mais das 12 edições consideradas nesta publicação”, diz o estudo.
Outro dado relevante é o de que nem metade consegue ser aprovado na primeira tentativa: apenas 101,3 mil examinandos obtiveram esse resultado, o que representa 43,3% dos aprovados nessas 12 edições. Do total de pessoas que se inscreveram, 47% conseguiu aprovação.
Segundo o estudo, é possível concluir que a taxa de aprovação varia inversamente ao número de tentativas. “O resultado pode sugerir que examinandos com melhor formação e preparo para o Exame são aprovados logo nas primeiras tentativas, isto é, à medida que são necessárias mais oportunidades, restam indivíduos cada vez menos preparados, o que reduz as chances de uma aprovação na prova subsequente”, conclui a FGV.
No Brasil, ao contrário de muitos países, são concedidas algumas “colheres de chá” aos examinandos, como explica o advogado e doutorando em direito pela UFPR Guilherme Brenner Lucchesi. “O Brasil tem o maior número de faculdades de direito no mundo, acontecem três Exames de Ordem por ano, há o instituto da repescagem [que, caso o candidato reprove na segunda fase, permite que ele aproveite a nota da primeira fase em uma próxima tentativa], é possível fazer a prova quantas vezes quiser e, ainda, o aluno que está no último já pode fazer a prova.” O aspirante a advogado no Brasil tem ainda uma sexta facilidade: escolher em qual área fará a segunda fase, podendo virar advogado habilitado a atuar em qualquer área, mesmo que tenha “zerado” alguma das provas.
“O mesmo não ocorre nos Estados Unidos, onde a prova prático-profissional tem de ser prestada para todas as áreas do Direito”, diz Lucchesi. Lá, apesar de o candidato poder repetir o exame inúmeras vezes, há apenas duas oportunidades por ano e o curso de Direito é uma pós-graduação. “Ou seja, o aluno precisa ter feito uma faculdade de quatro anos para depois poder fazer os três anos da pós-graduação em Direito, que dá a ele o título de doutor”, conta Lucchesi, que estudou na Cornell Law School, nos EUA, foi aprovado no Bar Exam e atua como advogado em Nova York.
Já na Alemanha, o cenário é um pouco mais cruel com quem deseja seguir a carreira jurídica. O candidato precisa prestar o Exame de Estado, que é a coisa mais importante para o currículo, já que é a nota obtida no teste que definirá em qual área jurídica ele poderá atuar. “Quem quer ser magistrado, por exemplo, precisa tirar uma nota altíssima. Para ser professor, então, é preciso tirar algo perto da nota máxima. Se reprovar, o exame só pode ser feito mais uma vez”, diz o advogado.
Números de outros países
Apesar de a quantidade de advogados ser expressiva no Brasil, ao se fazer um comparação com outros países levando-se em conta o número de profissionais nessa área per capta, é possível perceber que a proporção não é muito diferente. Na Itália, por exemplo, ao final de 2015, havia 237.132 advogados para uma população de 60,5 milhões de italianos, de acordo com a Cassa Forense (a OAB italiana), cerca de 1 advogado para cada 255 pessoas. Ou seja, 0,4% da população italiana é de advogados.
Nos Estados Unidos, o cenário se repete. Em 2015, a American Bar Association divulgou que existiam no país 1.300.705 advogados licenciados, para uma população de 318,9 milhões. Isso representa 1 advogado para cada 245 habitantes, o que significa que 0,4% dos norte-americanos são advogados.
Na Alemanha, a situação é diferente, já que a proporção de advogados per capta é bem menor. Lá em janeiro de 2014 havia 163.690 advogados para 80,6 milhões de habitantes, ou seja, 1 para cada 492 alemães, o que representa 0,2% da população. O interessante é que no país, uma reportagem, de 2004, da Deutsche Welle revelava que a entidade equivalente à OAB já demonstrava preocupação com o crescimento do número de profissionais na área em relação à população. De acordo com o texto, o presidente da instituição à época, Hartmut Kliger, disse em um encontro promovido pela Bar Alemã: “Existe o perigo de que a quantidade vai resultar em má qualidade em algum momento”. Ele ainda teria dito que alguns jovens advogados já tinham que ter dois empregos para se manter financeiramente.
Exame de Ordem no mundo
Brasil
O Exame de Ordem no Brasil foi instituído pela Lei n° 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia. Até 2009, cada estado aplicava a sua prova, mas a aprovação permitia que o novo advogado atuasse em todo o território nacional. Desde 2010, o exame foi unificado e uma mesma prova é aprovada a todos os candidatos a advogado sejam eles bacharéis em Direito ou estudantes dos dois últimos períodos do curso. Na primeira fase, eles precisam acertar 40 de 80 questões de diversas disciplinas que tiveram na faculdade, como Ética, Processo Civil e Penal, Direito Administrativo, Constitucional, Trabalhista e várias outras. Na segunda fase, o candidato precisa atingir a nota 6 de um máximo de 10 em uma prova que apresenta uma questão prático-profissional (que vale 5) e quatro questões acerca de uma única disciplina escolhida no ato da inscrição.
Alemanha
Na Alemanha o equivalente ao nosso Exame de Ordem também possui duas fases, mas com mais provas para enfrentar. A primeira etapa deve ser enfrentada pelo aspirante a advogado logo após a formatura, e ela conta com seis provas dissertativas (três de Direito Civil, uma de Direito Penal e duas de Direito Público) além de uma prova oral (nestas três disciplinas). Cada prova dissertativa tem a duração de cinco horas. Elas acontecem ao longo de duas semanas. Se conseguir a pontuação mínima nessa fase, o aprovado recebe o título de jurista e poderá optar por fazer um estágio longo de dois anos ou trabalhar como consultor jurídico. Caso ele queira seguir a carreira da advocacia, ao final do estágio haverá outra fase, que consiste em mais provas dissertativas das disciplinas anteriores e também direito do trabalho, processo e tributário, além, é claro, de uma prova oral caso seja aprovado nas dissertativas. O tempo também é de 5 horas cada, realizadas em um período de 11 dias. Diferentemente do Brasil, onde não há limite de tentativas no Exame, na Alemanha, se houver reprovação em qualquer uma das etapas, o candidato só poderá repetir apenas mais uma veza prova na vida. Se não passar de novo, nunca mais poderá advogar no país.
Estados Unidos
Aqui o postulante a advogado precisa prestar o exame da American Bar Association em cada estado em que deseje atuar, ou seja, se ele se muda, precisa fazer uma nova prova. Se o cliente vai para outro estado, a mesma coisa. Mas, em 2011, esse cenário começou a mudar com a criação de um exame elaborado pela Conferência Nacional de Examinadores da Ordem. Em 2015, 15 estados (de 50, mais o Distrito Federal) já haviam aderido ao exame unificado. A justificativa para que cada estado mantenha uma seleção própria é a de que, diferentemente do Brasil, como o federalismo ali é bastante forte, cada estado possui um poder judiciário autônomo, com leis e tribunais de diferentes instâncias próprios, o que faz com que seja necessário ter conhecimentos diversos em cada local de atuação. Enquanto no Brasil, a legislação criminal e civil, por exemplo, é federal, lá os estados possuem leis próprias.
Fonte: Kamila Mendes Martins - Gazeta do Povo